Jardins de Palavras
em canteiros de versos
a cerca de eiras de prosa.
Em 2008, um mês, um livro, desde julho
Segunda-feira, 1 de Dezembro de 2008
Poemas Cerrados
POEMAS CERRADOS
(nada de impressionar, pois é só o começo, mas afinal, é impressionante começar!)
1999 a 2005
Poemas Cerrados - Prefácio
PREFÁCIO
De súbito, como veio a chuva tardia deste ano de 1999, este livro agrega alguns poemas que refletem meus sentimentos ao voltar para casa definitivamente, após quatro anos de doutorado na Inglaterra. Não estão aqui apenas os poemas de amor, ou sobre o amor exclusivo à minha esposa e à nossa gravidez nos dias que comecei a escrever este livro. Estão aqui minhas percepções sobre as paisagens do mundo, sobre este cerrado em que cresci meu olhar de biólogo, onde apurei meu faro, adormecido após uma infância de cidade.
Estes são poemas para causar remorsos nos homens urbanos e urbanizados, e esperança nos que querem progresso sem dilapidar nosso país, nem as almas. São poemas (pretensiosos) também para atormentar aqueles que têm a vida certa, pré-definida, como um trator, insensível, sem senso do comum, do pessoal, do amor por todos, ou mesmo por uma só, e maravilhosa mulher.
O amor, este permeia esta paisagem em meus olhos, e as pessoas que aqui vivem. E o amor, ou o que restou dele, permeia o fim deste livro, mergulha em esperança, e afunda no início de outra fase da vida.
Até a morte de meu pai, em setembro de 2005, 84 anos depois de ele nascer, re-definindo assim, de forma dramática, o fim disto tudo.
E dedico este livro a duas maravilhosas mulheres a virem, inda crianças fantásticas, minhas filhas Laura e Gabriela.
Poemas Cerrados - 1999
A densidade do ar, a densidade do dia de chuva,
lembrava o anu preto que gritava de longe,
lembrava as gotas mansas de água,
que desciam pelas calhas de cada telha.
O silêncio, recortado por barulhos ao longe,
mais pássaros, mais sons antigos,
transportados na memória, minha juventude,
para este lugar não tão longe, ainda que o mesmo,
mesmo em dias tão diferentes e distantes das estórias de lá,
daquele tempo.
A densidade de meus sentimentos e deste momento,
tolo e sem sentido,
de óbvio tinha era tudo, e tudo assim óbvio ficava,
na paz densa deste resto de chuva.
Debaixo de nuvens cinzas de tantos tãos,
de claros efeitos sobre mim, este dia assim tão assim.
Parado, agora Bem-te-vi, agora anu, aleluias e mais chuva.
Voltou a chover em novembro, voltei a ver esta chuva.
Voltei para cá, já sou de novo de casa, a casa minha,
as vidas que aqui fiz ficar.
O denso vazio de não me bastar.
Novembro de 1999
Poemas Cerrados - Chuva primeira
Do exílio se orgulham todos que lá estiveram.
Repúdio à expulsão, voluntária?
Que fosse dada pela necessidade,
e a honrosa sobrevivência ao distar-se de casa,
de tudo,
traz a estes o olhar do que viveu e voltou.
Mas do que se orgulhar se não do voltar
e este voltar a tudo que vivia lá dentro,
gotejando lá fora como chuva primeira de verão?
Esta sensação, esta chamada saudade,
é saudade que a todos e quaisquer aprisiona.
Presos estaremos, longe da vivida infância,
dos tempos nos campos,
no mundo sem tanto entender,
mas com tanto sentido.
Sorte dos exilados que um dia vão à casa voltar,
se a casa lá estiver.
Volta impossível a tantos,
aos que viram no mudar e progredir
o caminho certo da vida,
onde não parecia valer muito os cerrados e cantos,
o ar cheio de vida da juventude.
Azarados nós exilados na destruição que causamos.
Coitados,
não sabíamos que daria para progredir
sem acabar com aquelas coisas,
sem apagar do ar o cheiro da vida,
que ninou e ensinou a crescer.
Novembro de 1999
Poemas Cerrados - Paisagem nos números e nos insetos
Anotar, observar.
Notas, notas, notas,
dados, números e gráficos.
Escrever então,
fazendo das paisagens,
trazidas em números,
de volta às paisagens que eram alí escondidas.
Alí, pequenos e diversos,
seres que agora descrevo aos olhos dos números.
Quantos insetos,
quantos tipos!
A variação segue uma ordem,
a vida longe dos olhos,
inteligentemente perceptível,
inteligente aprender pela ciência,
mas nem tanto quanto o é pelo amar estas coisas da vida.
Novembro de 1999
Poemas Cerrados - Margarida e o rebento
Folhas e brotos, a rebrota sob o sol e vento suave.
Terra úmida e céu em mudança,
A vida gosta e nasce.
A sua silhueta, olharzinho tão preocupado,
o corpo não em flor mas fruto.
Traz nosso amor em gente,
Vida que ri e brinca com a chuva,
com o calor de sua mão,
com a ternura de um amor que te pousa os olhos
Margarida não só em flor,
meu rebento,
meu amor.
Novembro de 1999
Poemas Cerrados - Amanda e Camila
O chão amarelo em cimento queimado,
o barro espalhado e os olhinhos largados.
Tanta coisa! Tanta planta! Esta terra na bota,
as cachorras no mato, a maior me lambendo.
Na rede o meu pai, deito também.
Lá vem mais cachorro!
Aranha na roupa, que fruta que é esta?
Do pequeninho, Amanda que entende,
do mato, entende meu tio,
do titio, titia é que sabe.
Novembro de 1999
Poemas Cerrados - Taquaril
Passaram ali Saint Hilaire, passou também Borba Gato,
Antes de Sabará ou a Boca do Mato, Caeté dos Tupis.
As palmeiras contam das fazendas que levaram o cerrado.
Do boi que se foi na Borda daqui, Horizontes tão Belos.
Antes no mato, agora favela, crianças, pessoas passando.
Pessoas tão pobres, de tão pobres se juntam.
Se entendem e aprendem, ficando de longe, longe daquilo.
Aquilo não querem, não querem a miséria, não são pobres não.
São gente dalí, suas hortas e jeitos, sua luta e suas árvores,
Uma a uma, trazendo o cerrado de volta para alí,
Para vida cerrada de gente daqui.
Novembro de 1999
Poemas Cerrados - Chico Bento e a cidade
É como Chico Bento, ou pelo menos,
como o descrevia Maurício de Souza,
De olho arregalado lá da roça,
olhando assustado os prédios que vinham,
olhando preocupado a fumaça que vinha,
olhando e esperando, enquanto os bichos,
pobres bichos, de lá corriam para o mato.
Mas, e o mato? O mato cerrado de sabiás,
quero-quero, anu preto e do branco,
de calango e miquinho, teiú, para poucos?
O mato não pode ficar em paz na cidade.
A cidade de Horizontes antes Belos, hoje,
hoje é o quê? É prisioneira como os seus.
Olhando a ganância dos que constroem.
Deviam ir eles dalí, deixar o povo,
deixar os bichos e o mato viver lá dentro,
bem dentro da cidade.
Novembro de 1999
Poemas Cerrados - Casa e mato
Quietinho
a mesa
os livros
em pilhas
evolução
ilhas
mais livros
quieto
trabalho
silêncio
Cidade lá fora?
É sim,
mas é cidade com mato.
Novembro de 1999
Poemas Cerrados - 2000
Chuva, e frio
Frio? No Brasil?
Em janeiro?
É, frio e chuva,
céu cinza,
mato molhado.
Sim o mato,
testemunha dos fogos,
das festas,
como o foi meu pai.
78 anos, quantos na espera?
Viveu para ver 2000,
2000 de menos mato,
mas 2000 da mesma gente,
do mesmo mundo, que
espera mudar, quiçá voltar,
ser o que foi melhor, e melhorar.
A chuva lava a alma,
O frio é cartase para o novo,
Eufórico entusiasmo,
Espero assim não ser só eu
01 de janeiro de 2000
Poemas Cerrados - Laura e Meg
Sozinhas e chorosas,
Sem minha presença,
e eu de longe,
com elas, com meu amor,
da presença, mesmo longe.
Sei que não basta, e chorosas estão,
uma de dentro, por sentir de fora
o choro da outra. Juntas mas sós, e eu
ocupado com o amor delas
vou longe, saio daí, mas
vou tranquilo, que sei ser amado,
amado de amor cerrado, da cor dos
campos de casa, do sonho de ver Laura,
Laurinha sorrindo um dia, e
o brilho de Meg nos olhos,
cheia de si, de Laura,
de meu amor.
Açores, julho 2000
Poemas Cerrados - Meu pai e o ar
A cada beijo da morte,
Esbofetada de volta.
Parada cardíaca?
Infecção?
79 anos?
Nada.
Nada mata meu pai.
Não desta vez,
não de agora.
Crescido
leite de vaca e toucinho,
Vivido
Médico, plantador, e pai
De mais
Caminhoneiro,
taxista,
sargento na guerra?
Foi tudo, e é,
descobriam os filhos
ao primeiro beijo que a morte tentou,
o ar de nossas vidas.
a existência,
o não vazio.
Vivemos ao próximo.
Porém, pai, mãe, também os filhos,
não são os próximos, somos nós mesmos, nos outros.
Novembro 2000
Poemas Cerrados - Devorados
Aquela mata, e eu.
Escreve, escreve,
Analisa, interpreta,
Justifica, explica,
Escreve, insiste.
Aquela represa,
aquela estrada.
Bem alí, naquela,
a melhor mata.
Noite, dia, escrita.
Consumido pelo escrever
Tomado por querer salvá-la.
A mente na mata, lembrança,
fatos.
O corpo, com ela, suas águas,
e vermes.
Consumido em trabalho por ela,
consumido por ela e seus vermes.
Decompondo argumentos,
decompondo-me em doença.
Ela, a mata, não me larga.
Sou, da nossa espécie,
o refém.
Aos outros vou dizer:
deixem-na.
Pois a ela conheço, pois ela devora-me.
Devora-me seus vermes,
e o fato de ser, ela, uma mata tão,
tão importante.
Junho 2001
Poemas Cerrados - O muro
Final de ano,
Reformas, mudanças,
Dificuldades,
E o meu muro,
sem aviso,
diante de uma lufada só e rápida de vento,
caiu.
Pesado demais para altura extra que lhe dei,
Protesto dos blocos à minha arrogância
de tanto empilhá-los?
A mim, deveria soar só como desespero cotidiano.
Na frente de meus olhos, de uma vez, caiu.
Porém, alí, me vi feliz, e a saúde de todos,
longe dele na hora, atribuí ao absurdo sentimento.
A verdade outra, é que todo muro que cai é bom,
te deixa ver longe, e ilumina a casa, amplia a vida.
Triste fato para me lembrar que meu amado, imponente muro,
Era mesmo ruim e o era mesmo por ser assim, tão imponente.
Alí, blocos empilhados me lembrando que preciso deles.
Do outro lado há um cerrado que ninguém nele construiu.
Nele passeio os olhos a todo momento,
pois o muro, faltoso, já levanto de novo.
Dezembro 2001
Poemas Cerrados - O outro lado deste rochedo de povos escravos
Rochedos iguais,
Em origem, em forma.
No céu, as mesmas nuvens de terras grandes
Na terra, as savanas de terras pobres.
A exuberância destas terras, pobres,
suas ricas e variadas formas, crescidas assim ricas,
Da terra pobre, e depois tomada.
Dos povos largados deste mundo sem povos.
Marcam,
com olhares sedentos de dó,
o fim do mundo de todos, agora de poucos.
Entre Brasil e África, não o mar, mas Portugal.
Portugal de história, também perdedor.
Destas conquistas sem fim, deste mundo sem amor.
Abril 2002
Poemas Cerrados - Alpinista de árvores e brejos
A água abaixo,
Sertão secando.
Plantas no brejo se espalham
Algas, fitoplancton
Raízes na água,
Cada pedaço do líquido
Tomado do verde.
No lago seco,
O mesmo.
Agarradas à terra pelas
Raízes,
Plantas descabelam seus ramos,
Que se espalham no espaço.
Presas assim, flutuando no ar,
Nelas andamos e pulamos,
Mas, se soltamos,
grudamos à terra,
Não caímos no ar.
Assim é a terra:
Planeta de plantas
Gente e gravidade.
Agosto 2002
Poemas Cerrados - Carta
De novo,
Desço as serras em direção ao grande sertão.
O planalto cristalino e seu impressionante cerrado,
Mais floresta do que savana,
mais ameaçado que tudo.
Guarda, em seus ares, de cada sentimento,
todos que eu antes tivesse sentido.
Agora, hoje, seguindo em meio a estas árvores e pastos nesta vasta planície,
Trouxe ao ar quente e seco o que só hoje sinto.
A certeza, a paz, a felicidade imensa e intocável,
tão certa que nem a vejo às vezes, de tão eu.
A certeza de você, meu amor, e dos meus amores que geramos juntos.
O amor, cura absoluta da doença que era a paixão pela solidão aventureira
que sempre me rodeou e corroeu. Será?
Sérvio, [enganado] cerrados do Rio Preto
Maio 2003
Poemas Cerrados - Yamandú, o ar seco, Gabriela e Margarida
Neste julho tão seco,
Estação que volto a ver,
Áridos cerrados assim nos ares urbanos.
Do ar vazio, seco, quieto,
Arrebenta da vontade de transformar.
A música, como vida,
Assim, antes nada, agora, tudo.
O violão estoura em prazer.
Ao meu lado, respira fundo Margarida,
Ela, com Gabriela no ventre, cansada de estar,
Com a vida em resfolego, exposta ao mesmo ar.
É de súbito, no ar seco,
Nestes tempos parados de um cerrado
em inverno quente.
Como se a placenta da alma estourasse,
Dela, som, a respiração.
O ar, agora encharcado de vida,
Da alma latente em música,
Pulsante em fôlego,
A viola e Yamandú,
A Gabriela e Margarida.
Som e resfolego, o prazer de assim viver.
Julho de 2003
Poemas Cerrados - Gabriela
Clima
Quente,
Ar
Seco,
Árvores
Nuas,
Folhas
Mortas,
Vento
Pouco,
Eu
Espero,
Nasce Gabi!
Agosto 2003
Poemas Cerrados - Uma árvore no istmo
Da varanda de uma casinha tecnológica
No alto de uma árvore,
No istmo do Panamá.
Pontinho menor do mundo.
Aqui, pequeno,
Vendo a chuva como se na roça,
Vendo o mar lá de longe,
A mata aqui tão perto.
Voltamos para as árvores,
Só alguns. E se, por certo,
Esquecemos lá embaixo
Importantes coisas da vida,
Aqui podemos lembrar.
E como um sonho de infância,
Quando desenhava florestas
E mais florestas vistas de cima,
Fiz a vida se realizar.
Outubro 2003, do Ikos no projeto Ibisca, canal do Panamá, parque São Lorenzo.
Poemas Cerrados - No mundo
Um café, numa esquina,
num resto de cidade histórica.
História na capital do istmo,
Panamá.
Um italiano, um panamenho, um brasileiro,
Em francês (ou algo que francês nenhum aprovaria),
falam da vida e bebem café.
Lá fora, vento e tempestade tropical.
Aqui, entomologia, frutos do mundo,
vinhos do mundo.
A felicidade de existir, ser parte de mundo,
De entender e viver tudo isto.
Ser, apenas, feliz.
Maio 2004.
Poemas Cerrados - O calor da mata
Dizem que tudo passa.
Este calor, em janeiro,
Neste parque, não passa.
Dizem que a tudo se esquece.
Aqui, não esqueço ninguém, e
A nenhum momento me deixam
Os momentos.
Ainda assim, este calor não passa.
Esta mata cresce, mas estas árvores morrem.
O tempo avança, mas não vai a nada.
Janeiro 2005
Poemas Cerrados - Tai-Chi
Cada pessoa, seu dom,
Seu vir.
Cada pessoa, sua história,
A perder.
Cada dia, um Tai-Chi.
Cada vida, um amor.
Cada vida, Tai-Chi.
Cada dia, amor.
Janeiro 2005
Poemas Cerrados - Só
Daqui, dentro de um canto,
Alma, casa velha. Esconderijo?
Vê-la partir, ficar a ver, só.
De meu canto, só meu
Sem ninguém, por assim querer,
Sem ninguém, só,
duro como seja ser só.
Alguém, mas cá dentro, sempre só.
Beleza? Não. Feiúra? Não não.
Só, num canto, com encantos que só,
Sozinho, aprendo a ver. A encontrar em
Mim, o amor de querer buscar,
Depois do amor de me entregar.
E inteiro, entregue e consumido,
Sem retorno, sem nada de volta,
Nada, só. E só, sem nada,
Não busco seu amor. Permaneço.
Por que amor, existe, está, vive.
Não se busca, não se conquista,
Não ganha, não nada. Ama.
E eu te amo. Só, com medo,
Sem esperança, te amo.
Atemporal
Poemas Cerrados - Parapeito
Na roça entendi seu valor.
Se na manhã fria,
Há lindas árvores para se ver,
Ali, de angústia, dor, ou não,
Alegria e suspiro, amor,
De tudo, o peito se enche,
Se para, se vê, e sai para viver.
Abril 2005
Poemas Cerrados - Saudades de um viver, longe, Açores
O preencher absoluto de um vazio definitivo.
Descobrir.
Saudade de casa, de todas suas “históiras”.
O preencher absoluto de um vazio definitivo.
Construir.
Amor
Laura Maria
Gabriela, também Maria.
O resto
Nada.
Ou, consumir-se, por tudo.
De resto, nada.
Maio 2005
Poemas Cerrados - Na alma da pessoa
Um dia ali, nascido,
Para sempre, amor.
Se um dia nascido, imortal,
Muda-se, não morre como nós,
De solidão.
Amor não morre, amores passam.
Um dia, um ficará.
Maio 2005
Poemas Cerrados - Dedicar
A uma mulher,
Para quem os melhores poemas eu darei,
Para quem o amor, puro, medo dará,
A paixão, forte, só dá força.
A paz, ligeira, só quer agarrar,
E de paz, paixão e amor,
fazer um mundo de vida doada,
Amada, e sentida, de ida, e volta,
amor verdadeiro.
Se existir, a ela dedico, e amarei. Um dia...
Até lá, e sempre, viver a terra,
os homens nela.
As filhas, as certezas,
únicas, absolutas.
E a tudo, se a tudo se ama,
assim se é feliz,
Feliz, uma vida inteira se dedica,
só, a viver.
Junho de 2005
Poemas Cerrados - Fim
Poemas Cerrados foram o começo,
assim, nada mais estranho, que seu fim.