Jardins de Palavras
em canteiros de versos
a cerca de eiras de prosa.
Em 2008, um mês, um livro, desde julho
Sábado, 30 de Agosto de 2008
UM ANO, UMA MORTE - LIVRO 4
UM ANO, UMA MORTE
Poemas do inferno, passeado de mãos dadas ao anjo que de lá me tirou, e ao anjo que lá me encontrou, chorou e esperou eu sair, para ele, feito anjo, eu chorar.
OU
Os poemas mais triste de minha vida,
para lembrar, até esquecer.
Um ano, uma morte - A porta da alma
A busca da alma por algo...
Farsa dela, da alma...
A busca se fosse,
Seria por uma porta.
A porta da alma, se encontrada,
Seria de toda só luz e paz, e muita alegria.
Pois tristeza, é alma presa.
Amedrontada, fechada em si,
ensimesmada.
Com medo de ser, mais,
Com medo de mostrar.
Se a gente, por contrário,
Dá para a alma o direito de ser eu?
Eu, minha alma.
Minha alma, eu, então,
não abro esta porta não.
Pois portas se fecham.
Batem sozinhas, ou com o vento
da desilusão, da solidão, do desamor.
Assim, a porta da alma só serve para
marcar onde está a parede invisível do viver.
Muro inútil, a parede invisível do viver.
Com a marreta do amor, derrubo.
Com pontapés de fé,
murros de desprendimento e entrega,
ponho abaixo.
Da porta faço uma mesa. Nela, sentam amigos,
Amores, filhas, irmãos, mãe.
Explodirei então a cada dia, de amor sereno,
paixão infindável, pela vida, por ela, por mim.
Pelo viver assim, pleno, solto, corajoso e,
De todas as maneiras, bom.
Domingo, 24 de Agosto de 2008
Pare o livro! - uma morte a mais
Houve uma morte.
Não tão profunda e irrecuperável quanto a morte que este livro,
gerou.
Mas a horrível morte de uma certeza que não devia ter nascido.
Nascida da certeza do amor, vivo, pariu-se a da continuidade.
A certeza morta, devorada pela dúvida que decompõe,
a alma.
Se a sua presença, meu ar, a falta, asfixia.
Morta, no não estar, ou não perceber,
Na cegueira de dois lados opostos:
Nunca se vê o sentido, sendo a mesma,
Direção.
Na ambigüidade de cada mensagem,
ou quase mensagens. Na dúvida um dia aprendida, antes do almoço,
verdade, confundida na singela maneira de já dizer minha,
Quando não era. Porém, vivida nos inúmeros fins e retornos,
que criaram quereres com cara de vício.
Em tanto querer chorado, não posso, nunca pude atender.
No re-editar dos poemas sangrados, de outros fins passados,
Da mesma morte recorrente. Nasce, verme decompositor,
A certeza, crescida na falta, que causo eu estando lá, e que vivo,
Estando só.
Pare então o morto, e homenagem surja à vida que continua, no sentir-se muito, no perdão, no amor, na gratidão. Que fale outro poeta muito melhor, mais amado, e menos abandonado.
De Vinícius de Morais. A FORMIGA
As coisas devem ser bem grandes.
Pra formiga pequinina
A rosa, um lindo palácio
E o espinho, uma espada fina.
A gota d’água, um manso lago
O pingo de chuva, um mar
Onde um pauzinho boiando
É um navio a navegar.
O bico de pão, o Corcovado
O grilo, um rinoceronte
Uns grãos de sal derramados,
Ovelhinas pelo monte.
Um ano, uma morte - Momento poético
A velha pilhéria
cândida de mundo belo.
De nada vale se os olhos não estão
prontos para ver, o mundo piegas
para ser visto.
Então, Villa Lobos, cirandas,
Devagar, mais devagar,
Parando, depressa, mais depressa,
Devagar...
E a cabeça vira para ver o passarinho,
e vê o sol.
A luz tênue, amarela laranja,
na longínqua nuvem,
flocosa e bela peça,
viva, como a certeza de
se ter vivido a vida
inteira no mesmo planeta.
Assim, debruçado na tese não lida,
debruçado neste mundo,
escandalosamente belo,
que entra pela janela,
estou eu. E a quanto tempo não me via.
Perdido em amor sem esperança,
Em desamor, sem esperança,
Em fugir desembalado
Para ser amado, para amar.
Com a vida que o calhorda pediu a Deus,
sofro, pois o calhorda, ela matou.
E eu, enfim, a libertei de sofrer seu amor por mim.
Fim da música.
Fim da tarde.
Fim do charuto.
Fim da ambigüidade de amar tanto sem rumo algum.
No recolhimento, percebo
a saudade que estava em mim.
E o medo que tenho dos outros. Das outras.
Menos dela, que deixei fugir, e que fugiu.
Agora, desta, outra, fujo eu.
Arranquei-me a sangue dali.
Beirei a loucura, e livre, fugi.
Com vês, atônito leitor, muito ainda sofreria,
muito sangue e lágrima verteria,
até entender o óbvio que seu corpo, olhos,
palavras, diziam:
eu não te amo, eu só te quero.
Sexta-feira, 22 de Agosto de 2008
Um ano, uma morte - A gata no muro
Seduzi uma gata no muro.
Bela, escura, e carente.
Trouxe-a pelo cheiro,
Envolvi seu rosto em carinho.
Dei amor, até ser imprescindível meu amor.
Arrastei-me então, para longe,
deixando para trás minha mão,
mole mas nada boba,
mostrando meu rastro muro afora.
E a mão me dizia, pelo rastro dela, que a tinha cativado.
Feliz, a enchi de carinho ainda mais.
Trouxe-a ainda mais perto, e ainda mais,
Mais, mais,
A inundei de mim.
E fiz, de coração, tudo para tirá-la do muro,
E pousa-la, salva, no meu colo,
ainda mais quente, mais amoroso, mais pleno.
E no fundo, sabíamos, saciada ela ou eu,
Só havia o muro para ela voltar.
Gata maravilhosa aquela,
Não veio.
Daqui, ainda penso, tão dividido,
E se eu subisse o muro, mudasse de quintal,
Levasse minha gatinha?
Um ano, uma morte - A volta
Fugindo, de carro, que meu corpo agora levava, com minha alma dirigindo,
Vi de novo o mundo, vi pneus de caminhão, molhados de sol, e brilhando em movimento, com se um sol na terra, mostrando o belo em cada feio, houvesse.
Vi poesia em borracha e asfalto, no sol, e na vida, nas coisas pequenas.
Descendo um morro comprido, atrás de uma carreta comprida,
Vi uma vida feliz, no vento, no ar, no não ter dono o meu nariz, nem eu mesmo.
Olho cheio de encantamento, e certo do certo, continuo indo na certeza que a fuga não é nada senão uma busca de trás para frente, uma mera volta para um momento quando nada doía.
Um ano, uma morte - Poetas da dor, eu não
Esquisito não entendê-los, mas não os entendo.
Não sei ser poeta em tão profunda dor.
Sei escrever meus sentimentos piores,
sei palavrear a tristeza.
Sei chorar letras e letras mundo afora.
Mas é na luz, é no sol da alegria,
no brilho de um dia que reluz,
feliz estar vivo, feliz respirar,
que sei o que dizer.
E digo o estar vivo e a tudo amar.
Na dor do amor não amado,
do amor dito existir, que nunca foi,
dito verdadeiro, mas severo,
amor exigente, que cobra, que escarna,
na dor destes abusos usurpadores de felicidade,
só sei chorar, sofrer, e definhar. Amor? Não é, não foi.
Achou bonito? Achou cheio e vibrante?
Achou algo de belo na minha dor?
Venha sofrê-la você, e não ache bonito o chorar.
Cretino leitor, sem piedade do viver,
sem paixão de verdade, se enche do sofrer corajoso,
burro, sem sentido, e ardido, do poeta, este estúpido.
Esqueça, pois não é nada disto que fará teus olhos brilharem,
tuas pupilas dilatarem, e seu rosto, em suspiro e sorriso,
leve, profundo, e definitivo sorriso dia a fora, tua alma feliz.
Feliz é o dia em sol, para um olhar em luz,
amar, é só amar, querer bem, e ser bem, bem verdadeiro,
bem o que der, bem ali, bem perdão, bem, bem, bem.
E agora, com o samba de fundo, a lua de cima, o dia passado,
suado, sofrido, cansado. Comida, cozinha, amor no fazer,
e no viver. Agora, no tom, que de leve te lembra,
te acorda, te faz lembrança e te entorna em saudade.
Saudade? É, dela, ela sim, ela amor, paz, mais amor, e mais amor.
Amor sofrido, pelo meu desamor, besta e egoísta, mas mole e frágil.
Agora sem ele, pois frágil, calhorda, carente e besta desamor,
morto na ânsia dos infelizes, dos leitores tortos, dos amores falsos.
Agora, sem o gosto tolo e ridículo pelo sofrer poético ou patético,
resta viver, e viver, como o sol, é só a luz de ti, você lua, você sol,
você meu brilho, minha pupila dilatada, meu sangue nas beiradas,
em cada borda, ponta, e canto, em cada vontade e nervo.
Eu te acompanho, em sonho, dançando de saia, na ciranda de Lia,
rodando no côco, na dança do sol de meu amor verdadeiro,
e sempre amor. Perdão, graça e ternura, leve, até no esquecer.
Leve no passar daqui para lá, e de lá, para muito além,
além de muito amor, nada além disto.
Viver, amar, pela primeira vez, amar amado, e
embestado,
derreter de felicidade, e te querer em luz, para sempre, em graça.
Que nada me falte, e não me falte você, meu amor, pois sem você, vivo sim,
viverei, e muito viverei, mas nada vai ser como é amar você assim.
Quinta-feira, 21 de Agosto de 2008
Um ano,uma morte - cores e amores
Criança em vermelho,
Balão, laranja.
No fundo, bem forte,
parede azul... hoje tem poema.
Calado, me falam as cores,
a alegria recuperada,
a felicidade, cuidadosamente,
minuciosamente, protegida.
Chamuscada, limpei.
Entristecida, fiz sorrir.
Guardei minhas filhas,
dei a elas minha incondicional
certeza de estar com elas,
caia o mundo em volta,
caia quem for.
Assim, hoje, em cores,
bem fortes.
Antes, também,
foram fortes os dias,
mas as cores, não tinham.
Com elas, sempre feliz, fui forte,
e elas para mim.
Hoje a felicidade se espalha.
Como estas cores,
mexem, balançam e dançam,
minhas crianças amores.
Balão pulando, criança em luz, criança feliz.
Alegria de ser, aprender, e terem a mim. Que orgulho!
Que honra me dão! Fiz a elas.
Elas, resgatam a mim.
Passam todas as coisas que não cabem aqui, que não vibram em cores e sentimentos. Passa a dor, a mágoa, o trauma, o tempo. Só resiste o mais forte de tudo, o amor verdadeiro, mais verdadeiro que tudo. Meu por elas, delas por mim.
Um ano, uma morte - Sonhos
Sonhas com casamento e filhos,
Sonho com um amor recíproco,
companheiro, parceiro de perto,
mesmo quando longe.
Sonho com o teu olhar sempre vívido,
No seu corpo, sempre vívido,
Agora e lá na frente, maduro,
e vívido.
Sonho com o que Deus mandar,
se tiver um Deus, ainda mais um
que mande coisas.
E se mandar um filho seu,
sonho em fazer em você uma mãe diferente.
Feliz e amada, não por mim,
Mas pela feliz e incomparavelmente
amorosa história que tivestes,
sonho você também de muito e só amor.
E que seu amor, se fizer em mim de novo pai,
faça neste pai que já há,
um amante melhor, mais amor ainda.
Queria então me ver perdido e sem volta,
no sonho inicial. Amado de verdade, amado para sempre.
Que não valha nenhum sonho, e que a vida seja pura beleza de se viver com o coração na frente de todas as ilusões.
Terça-feira, 19 de Agosto de 2008
Um ano, uma morte - Árvores e Senhoras, todas velhas
Hoje encontrei velhas árvores,
e senhoras velhas igual.
Todas, árvores e senhoras,
tão belas, belas estas, sem igual.
Me enchi de alegria,
e vi meu corpo andar,
enquanto minha alma,
bem a frente, bem criança,
dava cambalhotas.
Felizes senhoras,
Árvores frondosas.
Com elas, e com esta cidade,
a exuberante beleza de viver
tanto e tão feliz.
Um ano, uma morte - Semana Santa
No ombro, corpinho agitado, olhando para tudo.
Caminho da procissão, dia de alegria, brinquedo,
Família dos outros.
Ali perto, música na casa. Papai sobe a escada,
Uma banda no salão. Estão ensaiando, tanta gente,
Que barulho!
Depois. Ao pé do soldado, vejo meninas anjinhos,
Gente demais. É noite, e a gente está aqui na igreja,
Vendo isto tudo, e durmo no colo!
E passa dia, dormem as moças, se vai para casa.
É casa delas, a vila no centro, com crianças e doida.
Alegria de estar solta, soltinha.
E na procissão saindo do Pilar, anjinhos e “anjonas”.
Tanto padre, tanta gente de novo.
E de joelho no ombro, de novo no ombro, chamo atenção.
Banana na boca da Laura, bundinha pro ar, e caras e bocas.
Tem mais fotógrafo para elas que para os santos.
Agora eu, saio de meus próprios ombros e de seus pesos próprios.
Subo pelas pernas agitadas de Bibi, e acho seu coraçãozinho,
Passando pelos seus olhos brilhantes, e agitados.
Lembranças de infância que quero ver lembradas na vida toda.
E sua história de tantas vistas e estórias, entra em meus olhinhos
infantis, boiando no meu rosto de malandro, talvez assim por querer se encher das cores de agora, pela falta de memória de uma infância sem sal, sem cor, sem o risco de viver.
Um ano, uma morte - sorrisos
Basta isto.
A felicidade precisa de nada.
Basta lembrar.
Gargalhada de Laurinha,
Bobaginhas, e alegria.
Vontade no ar, só de sorrir,
E de Bibi também, sorriso até,
Jeitinho que nem tinha.
Sorrisos delas, sorrisos meus.
Sou feliz por me matar em tê-las assim.
Irrecuperavelmente tomadas de vontade de sorrir.
A alegria não tem retorno.
É mais forte e valente
que todo jeito egoísta de sofrer.
É mais forte que quem crianças não resguarda,
olhinhos inocentes não protege,
e coraçõezinhos não acalenta.
Crianças aprendem o que adultos não sabem. Não sofra para me atingir, pois sei querer ser feliz, e serei, sem dó nem piedade.
Um ano, uma morte
Daqui, tão perto, nada penso.
Só faço o que ele melhor me ensinou.
Jardinado, então, deixo ali seu túmulo.
Tão longe. Lavo a mão, a ferramenta,
meticuloso limpar do esforço que me tirava dali.
Agora, tão belo e sempre o mesmo, o túmulo.
Perto, ou não, ali sem tempo nenhum,
Os dias nada servem, e então serve o fato,
visceralmente vivido, de que nada nunca vai mudar.
O enterro foi agora, ontem, um ano. Foi o enterro de um pedaço de mim. Aquele de mim que veio do outro, que em mim se implantou como eu mesmo, do jeito sem nada mudar, como sou eu nas minhas filhas, que tanto me amam, que me assusta o tanto amar.
E ao mesmo tempo, me enchem da paz de ser tão amado quanto tanto amor eu dei, pois as amo tanto, que quero que o pai que assim tanto me amou, enfim,
Descanse em paz.
A dor de tal saudade, tal dor que dói e nunca passa, é a marca indelével da certeza de amar até o destroço da alma, onde, destroçada e imortal, alma se refaz, e eterna é neste sentimento que com a própria vida se confunde.
Viver ou não, é a arte de querer, ou não, se afundar no amor que um dia te lançará num vôo sem pouso, na direção do absoluto.
Um ano, uma morte - FIM
Poemas do inferno, passeado de mãos dadas ao anjo que de lá me tirou, e ao anjo que lá me encontrou, chorou e esperou eu sair, para ele, feito anjo, eu chorar.
OU
Os poemas mais triste de minha vida,
para lembrar, até esquecer.