Jardins de Palavras
em canteiros de versos
a cerca de eiras de prosa.
Em 2008, um mês, um livro, desde julho
Sexta-feira, 29 de Junho de 2007
O pombo perneta e o manco
Ali no canteiro central, o inusitado.
Um pombo perneta andava.
Era feio, de certa forma apenas.
Pois era também brilhante e belo de outra forma,
como seria um paraplégico em um trapézio.
Era magro e sujo, pois faltava na vida capenga
equilíbrio para comer e se limpar.
Mas, mesmo assim, ia atento.
Se equilibrava na perna restante,
e nela era forte, mas não firme.
Então, de súbito e longe de tantos olhos por perto,
Em um centro cheio e ocupado, um manco.
Com sua perna mais curta e olhar triste,
Ele viu o pombo, e se aproximava.
Ia ao pombo, como criança que achara o cãozinho de sua vida.
Sem sorrir e com a discrição de um manco
que não quer ser visto, frustrou-se.
O pombo voa. Pois na terra era manco,
no céu ainda ave.
Me fizeram pensar, aqueles dois.
Abre o sinal e parto, querendo crer em uns “queira Deus”:
Que este manco pudesse ler e escrever,
tivesse olhar terno e carinhoso,
fosse capaz de falar, e ter o que dizer,
fosse amoroso, e muito amasse.
Fosse então ainda homem em seu próprio céu.
Dezembro 2005.
Ciência e Arte, Nós e os Outros
Na ciência sou Gaugin, na poesia sou Russeau.
Num extremo, qualquer rompante (ou sorte?)
de brilhantismo ou criatividade,
se pauta na rigidez de um conteúdo,
em um momento histórico e intelectual.
E mesmo assim, nesta couraça, quero ser a medida,
a cor, o tom que dita a descoberta.
Na poesia, sou livre e hipocritamente pueril.
Expresso a alma sem forma ou regra,
Começo perto dos 40, ao menos a ser notado.
Me faço de um infeliz, incompetente amador,
E sou, mais que tudo ou qualquer coisa rotulável,
verdadeiramente eu, minha alma, minha desproteção.
O poeta é você. Você criança, ainda lá,
Respirando infância e falando verdades,
Dizendo você para o mundo, que não entende.
O mundo, um punhado de adultos estranhos,
Sua alma, a criança dita e feita, longe dos grandes.
Dezembro 2005
Domingo, 24 de Junho de 2007
Olhos fechados
Poema em sonho,
feito por todos, feito de lembrança.
Feito assim, de pulo, de susto.
O susto, como a morte, é a surpresa da vida.
Vida, seja o que for, são as histórias dos vivos,
que a morte consagra, e nunca mais, deixa morrer.
Olhos, enfim, fechados só para o que insistimos em fixar:
Olhamos o vazio colorido pelo fútil, e não, para o amar.
Almas abertas. Olhos, o que importam? Nunca viram nada.
Sexta-feira, 22 de Junho de 2007
Mudança
Podia chover assim para sempre.
A chuva densa, longa, em toda parte.
Não só aqui, em toda parte, por milhas.
Chuva, chuva, chuva. Então seca, depois de muita chuva.
Uma terra que molha, encharca, e vira rio, vira lago, árvore.
Podia chover assim para sempre, mas não há sempre.
Nada é destinado para o sempre. O nada, sempre aguardará o sempre.
Quem não sabia disto? Quem, estúpido, nunca aprendeu?
Amanhã, será pior? Será sim. Por que sempre o óbvio nos pega de surpresa.
Sempre o mudar, obviedade escandalosa, vai assaltar a paz cega e confortável.
Sempre, o nada, ou o mudar? O que vai para sempre? Quem foi para sempre?
Quem nunca irá, e sempre estará?
Não, não acreditamos na óbvia mudança da vida, e ela sempre parece piorar.
E, se de susto, melhora, é tão esquisito. Chamamos de sorte grande!
São a vida e a fé feitas da mesma matéria? É o viver e o existir coisas iguais?
Podia chover assim para sempre. Eu queria viver mais que existir.
Dezembro 2005
Quinta-feira, 21 de Junho de 2007
Rodoviária
Em nome do pai, da filha, da mãe,
Do consolo, beijos, carinhos, e da tia,
Que vai levar ela, de espírito santo,
Ou, se não, puro de criança, para passear tão longe.
Lágrimas de lá, lágrimas de cá.
Reza e coragem.
Gente de toda gente, de todas caras e lugares.
Dias felizes, mocinhas felizes.
Dias de luta. Tanto faz.
A rodoviária é um lugar feio, de fatos belos.
Olhinhos brilhantes, festa, esperança, viajar.
Em movimento, todas as coisas trazem esperança.
Dezembro 2005
Quarta-feira, 20 de Junho de 2007
Hoje à noite
Um vento forte, como sempre soprava por aqui.
Lá fora parece inverno, lá no norte, é.
Aqui circulam na fumaça do charuto pensamentos perdidos,
em nada presos, soltos, esvoaçados no absoluto, “perdidos”.
A felicidade em uma criança engraçada. A criança engraçada daquela
pessoa, também, ela, tão engraçada.
Tantos anos, e nada, das coisas que não mudam, muda.
Outras coisas, todas, mudam.
Coisas ruins, e coisas boas, não mudam.
A farsa que cobre as coisas, e faz delas fantasias, esta muda.
A crença forte do fraco em suas mentiras, muda.
Muda com a falta de coragem de ser o que no fundo se quer tanto.
Acaba a farsa, na incapacidade de ser verdade.
Sobra a verdade da estupidez de um momento assim.
Perdido no que se perdeu, penso tolices,
mas aqui fora algo mais importante.
O agora, este momento, o vinho, charuto, música, poema, viver devagarzinho,
De cada gole sobra na garganta a certeza de que é bom só estar quieto,
só estar vivo,
Só se deixar no cheiro da loção de barba, na certeza da quietude, do barulho,
da festa, da falta dela, do luto, da verdadeira forma de ser, sem não deixar estar, sem querer ser nada, mas sem perder coisa alguma.
Dezembro, 2005
Terça-feira, 19 de Junho de 2007
Largue-me
Largue, solte, deixe-me!
Não, obrigado, não me ame não,
se achares que amar é morrer por alguém.
Pois sua morte me mataria e, morto,
preso a você estaria e, amar,
não, não é prisão.
É mesmo redenção,
O oposto do abandono é desapego.
Deixe-me viver, sofrer, ser só,
ser sem você.
Deixe-me ser feliz, se infeliz estás.
Procure alguém melhor, se melhor para mim,
Você nunca será. Insatisfeita ... estou nós dois.
Separados e juntos na mesma tristeza, de não dar mais.
Solte-me, parta.
Proteja-se dos fofoqueiros, dos que não querem deixar viver.
Seja você também feliz, mais do que eu. E eu, não ajudarei,
pois eu, do meu jeito, me exponho, e cada vez mais.
A cada um que ataque, me abro,
A cada cuspe na cara, a alma a bater.
Prove-me você que a humanidade não presta,
Pelos teus, ou outros, atos mesquinhos.
Provo-te que presta, pois a humanidade sou eu,
e sou mais eu que você, e mais você que eles.
A cada cara fechada, me abrirei,
a cada paulada tua, te beijarei.
A cada tentativa de suicídio, tomarei suco de tomate para não ter câncer de próstata.
A cada momento, sorrirei, para provar-te que não há mal nenhum,
a não ser no ódio. E ódio, nem pelos odiáveis invejosos, e seus atos despeitados,
nem pelos despeitados, e seus dias odientos de inveja.
Na busca de dias de luz, espero que você se ilumine, e me deixe tomar banho de sol.
Novembro, quase dezembro, 2005.
Segunda-feira, 18 de Junho de 2007
Suddenly, while speaking to you, gringo
Suddenly, there is no better place to live but home.
Indeed, no other place to live exists.
Because it is home, and because home is here,
Here, a rich place one found once.
Rich, yes, but, in a sense many of you won’t understand.
Home is rich because there are people improvising to live,
and people not doing a thing to it, in a dramatic way perhaps.
Still, better than among any other kind of people elsewhere,
values hard to sustain do improve among them, the latter, and they ended rich!
Values, perhaps, do enrich in a sense otherwise I used before,
And you, again, won’t understand.
And anyone, willing to really be touched by life, is out there,
mixing the elements of life.
People mix chances, with values, and with people.
Hence, from a plentiful life existence,
one makes from soul and flesh,
from life and death,
an ultimate move.
Home, in its deepest essence,
was home of my father,
the ultimate hero of such choice.
Novembro 2005
Domingo, 17 de Junho de 2007
Copas e Cortes
Galhos, espinhos, tronco.
Árvores ásperas,
dia inóspito, de frio a seco.
Nas plantas, inverno ainda é,
mesmo que folhas novas gritem:
Primavera!
Poucas folhas,
muitos galhos,
farpas,
espinhos,
dores.
Arranho, rasgo, sangro.
O capim navalha não é, afinal,
para nos ferir.
Tem pelos firmes para as árvores escalar.
Lá encima morre, seca e,
se queimasse, a árvore mataria.
O mundo não é, afinal,
tão belo? Ou é?
Pois se a árvore morre, em matando a si,
o capim o faz para seu rebento crescer,
à luz do sol que não é, afinal,
para todos.
Mas agora escalo eu.
Gosto mais de árvores,
arranco o capim.
Abro caminho para o topo a sangrar.
Revida o capim.
Me prendo.
Firme, pois o vento balança este arvoredo.
Uso tudo.
Músculo, cada um contrai, braço, coxa, pé.
Folhas, várias copas, tão belo dossel.
Corpo, força, copas,
Beleza, dor, vida.
Cada dia numa árvore,
Cada hora num sofrer.
E em cada respirar,
duro, doído, atento, só...
Estranho.
Não perco o senso daqui.
Aqui...
Dói-me tudo por ter vindo.
E é bom, é belo, afinal,
É mesmo assim, extraordinário.
Vivo cada dor, feliz por cada galho.
Cada olhar,
todo o ver, o sentir,
a cada metro a subir,
a vida, afinal,
permitir.
Outubro de 2005
Parte 3, fim do livro 1: aceitar, viver, continuar
CICLOS DE SOL
O CONTINUAR EM MUDANÇA
Sérvio Pontes Ribeiro
Terceiro livro de poemas, como dantes,
Inspirado nas musas do sol, das árvores, do vento, da vida, d’amores, e da morte.
Epílogo, de novo
Você está fazendo tudo errado,
E pior, seu pai morreu,
e ninguém vai te ajudar.
Confuso assim, você o nada fará.
Um dia, calmo,
o bem-fazer voltará.
Só, confuso não mais.
A certeza traz a certeza do nada.
Nada se igualará.
Para cada amor,
cada perda,
uma estória sem retorno nem consolo.
Haverá ternura sim,
Haverá calor também.
Haverá ele em tudo e, nada,
haverá sem ele ali estar.
Sexta-feira, 8 de Junho de 2007
Epílogo - As vísceras são as raízes da alma
São nelas, nas vísceras, que a alma se enraíza,
Para no coração, lançar sua flor.
Em meio à tristeza, o coração aperta e seca,
A flor, morre também. Solidão, é a morte da flor.
Sem escolha, a alma enterra suas raízes,
Para buscar força para viver.
Agarra-se em nós, doendo, contorcendo,
Fazendo a dor do secar, a dor de viver.
Aperta as tripas, mata ou quase mata, o corpo.
Contorcido, esvaecido, os intestinos enfim, sentem.
Os sentimentos das vísceras, no fim, companhia.
A companhia infalível de nossos órgãos, na dor de viver.
A necessidade de esquecer deles, de funcionar e não lembrar,
Acabou.
Agora quem manda são as tripas.
Gritam, apertadas pela alma,
Coitada, só não quer morrer.
É assim, às vezes o aperto da alma é tanto,
Coração já seco,
tripas sufocadas,
morre o corpo para a alma soltar.
Mas acabando, com o fim do corpo, a alma alarma,
floresce mesmo no seco, da flor lança fruto,
semente.
Na solidão definitiva da morte, sobrará a semente da alma.
Germinaremos na morte, ou só morreremos?
Viver é dançar o sonho de não estar só, e de coração cheio, um buquê só.
Terça-feira, 5 de Junho de 2007
Viver, Sentir, morrer... nunca
A poderosa presença,
Calada, quieta,
Acamada e vibrante.
Pai deitado, calado,
Perdido no passado dos dias felizes.
Nunca voltou à guerra, nunca voltou ao hospital!
Nunca, em delírio e perda, teve em outro canto, senão no amparo dos irmãos.
Sonhava com todos, e falava com cada.
Carregou batata e discutiu o tempo com Edmundo, Abigail, com cada um,
Com Amaury, nos instantes que o presente faltava, voltava lá, vivia deles.
São afinal os irmãos o grande prêmio. Aqueles que testemunharam contigo,
O iniciar do viver. E assim, em início, sabem juntos o que é ser amado, ou nada sabem não.
Nós, sabemos, e sabemos de um jeito que pouca gente sabe.
Que se danem os que acham a nós, arrogantes. Fomos por demais amados,
E não ligamos para isto. Vivemos e ninguém vai entender. Só, aqueles já assim tão amados.
Crescente história, feita de amor instaurado como regra do existir.
Assim como o ar, só se nota quando falta e, então, não se vive mais.
Por isto até, sinto não há, de fato não, a morte.
Se houvesse, estava eu também, morto.
Estar e querer viver, diz, grita, sussurra escandalosamente:
“Ele está vivo”. Largue tudo, encha o pulmão do amor que ele te deu,
Sopre para cima, sopre para ele,
Deixe ele saber que não amou em vão, e que você aprendeu, e sabe bem.
Viver, é só amar, amar e sofrer a vida que assim vai-se nos outros.
Pois nos outros, continua-se.
Embora, é certo, se ele vive agora, está livre disto tudo,
precisando só deste sopro, a certeza para então transcender.